Eu e o amigo Humberto planejamos a
viagem durante alguns meses. Porém, devido nossas atividades profissionais,
optamos por fazer o trajeto entre Porto Alegre e Cuiabá em momentos diferentes.
O Humberto levou a moto para o Mato Grosso aproveitando o feriado de 1˚ de
maio, deixando-a lá e retornando de avião para Porto Alegre. Eu precisei fazer
toda a viagem de uma só vez, saindo de Porto Alegre no dia 10 de junho para nos
encontrarmos no dia 13, data do vôo do meu parceiro de estradas.
O Humberto saiu de
Porto Alegre na manhã do dia 27 de abril de 2017, às 6:30h, com temperatura local de
10˚C com destino à Foz do Iguaçu, com sua Triumph Tiger Explorer 1200 XC,
seguindo pela BR 386, duplicada até o município de Lajeado e em ótimas condições.
A partir de Lajeado a pista se torna simples e em boas condições, mas com
alguns locais de irregularidades. O trajeto pela BR 386 é de 395 Km até a BR
158, seguindo por esta rodovia por mais 42 Km até o município de Iraí, passando
antes por Frederico Westphalen, ambos ainda no Rio Grande do Sul. A divisa dos
estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, nesta região, é feita pelo Rio
Uruguai.
O
rio Uruguai banha três países (Brasil, Uruguai e Argentina), nasce na Serra
Geral, mais especificamente na divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. É formado da confluência do rio Pelotas com o rio Canoas e, a
partir daí, percorre um percurso de 2.200 Km de extensão até a sua foz no
estuário do rio da Prata. No início deste longo caminho, o rio Uruguai divide
os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em seu trecho nacional. Após,
em seu trecho compartilhado, o rio Uruguai materializa a fronteira entre o
Brasil e a Argentina e, a seguir, deixa de banhar o território brasileiro servindo
de fronteira para o Uruguai e a Argentina. A bacia hidrográfica possui 174.533 km²
de área brasileira, o equivalente a 2% do território nacional. A região possui
um total de 384 municípios, dos quais merecem destaque Lages e Chapecó, em
Santa Catarina; Erechim, Ijuí, Uruguaiana, Santana do Livramento e Bagé, no Rio
Grande do Sul. Em relação à vegetação a bacia apresentava, originalmente nas
nascentes do rio Uruguai, os Campos e a Mata com araucária e, na direção
sudoeste, a Mata do Alto Uruguai e Mata Atlântica. Atualmente, a região
encontra-se intensamente desmatada e apenas regiões restritas conservam a
vegetação original.
Ao chegar próximo à divisa dos
estados do Rio Grande do Sul (RS) e Santa Catarina (SC), no município de Iraí
(RS) a rodovia encontrava-se bloqueada por um protesto realizado pelos indígenas,
reivindicando as demarcações de suas terras. Seria necessário esperar
aproximadamente 5 horas para que a Polícia Rodoviária Federal liberasse a
rodovia. Havia ali um grupo de
motociclistas que conheciam um atalho, prosseguindo através de uma via alternativa
de aproximadamente 10 Km de estrada de chão. Esta via termina cerca de 500 m
antes da ponte sobre o Rio Uruguai, retornando à BR 158 e prosseguindo por mais
48 Km até a BR 282, em Maravilha (SC). Após, segue o trajeto por esta rodovia
por 54 Km até a BR 163, em São Miguel do Oeste (SC) continuando por esta última
rodovia por mais 358 Km até a BR 277, em Cascavel (PR), passando pela fronteira
entre SC e PR, em Barracão, e pelos municípios de Planalto, Capanema e Capitão
Leônidas Marques, todos já no estado do Paraná.
A rodovia nos trechos catarinense e paranaense está em péssimas
condições, especialmente entre o rio Iguaçu, no Paraná (PR) e a cidade de
Cascavel (PR), com excesso de buracos e desnível na pista em virtude da rota de
caminhões. Entre Cascavel (PR) e Foz do Iguaçu (PR) a rodovia está em
excelentes condições, duplicada e com
pedágio. Chegando na BR 277 se continua por mais 120 Km até Foz do Iguaçu. No primeiro
dia foram 960,5 Km rodados, chegando em Foz do Iguaçu à noite.
No dia seguinte a saída de Foz
do Iguaçu foi às 14h com destino à Guaíra, no Paraná, seguindo pela BR 277 por
cerca de 41 Km até a localidade de São Miguel do Iguaçu (PR) onde se acessa a
rodovia PR 495 continuando por 106 Km até BR 467 e mais 11 Km até o município
de Marechal Cândido Rondon (PR). Nesse
ponto se entra na BR 163 por mais 64 Km até Guaíra. A rodovia é de pista simples
com alguns trechos duplicados e em ótimo estado de pavimentação. A paisagem é
repleta de mata verde e pelas águas represadas pela Usina de Itaipu. É uma
viagem tranquila e agradável, com a temperatura nesta época do ano girando em
torno dos 20˚C. Guaíra é uma cidade que faz divisa com o Mato Grosso do Sul e
com a cidade de Salto del Guaira, no Paraguai. É um destino procurado para
compras, especialmente por apresentar menor tumulto que a caótica Ciudad del
Este. Apesar de ser menor em termos da diversificação de mercadorias, é mais
agradável. Seu acesso se dá pelo Mato Grosso do Sul, a uns 10 Km adentro do
território paraguaio. Diferentemente da divisa de Foz do Iguaçu (PR) com
Ciudade del Este (PY), que são separadas pelo Rio Paraguai, a divisa com Salto
del Guaira se dá através de fronteira seca. A divisa dos estados do PR e MS é
separada pelo Rio Paraná, onde está a ponte Ayrton Senna, com 3.600 m de
extensão e palco de uma das mais belas paisagens da região. Foram 222 Km de
rodovias e totalizando 305 Km de pilotagem no dia.
O
Rio Paraná é o segundo rio em extensão na América do Sul e o décimo do mundo em
vazão. Nasce entre os estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul,
resultante da fusão do Rio Grande (Serra da Mantiqueira) com o Paranaíba (Serra
da Mata da Corda), na Altura do Triângulo Mineiro. Faz divisa natural entre
estes estados e serve de fronteira entre o Brasil e Paraguai, e Paraguai e
Argentina indo, finalmente, desaguar no Atlântico, depois de um curso de 4.200
Km. Em seu percurso, banha também o estado do Paraná, adquirindo uma extensão
total de 3.998 km, que lhe renderia o posto de 9˚ rio mais extenso do mundo,
caso fosse contado o trecho do rio Paranaíba. O rio Paraná demarca a fronteira
entre Brasil e Paraguai numa extensão de 190 km até à foz do rio Iguaçu. A
partir de Foz do Iguaçu, o rio muda para direção oeste e passa a ser o limite
natural entre Argentina e Paraguai. Na confluência do rio Paraguai o rio Paraná
entra inteiramente em terras argentinas e passa a percorrer a direção sul,
desaguando no delta do Paraná e, consequentemente, no Rio da Prata. A Região Hidrográfica do Paraná, com 32,1% da população nacional,
apresenta o maior desenvolvimento econômico do Brasil. É a bacia hidrográfica
com a maior capacidade instalada de energia elétrica do país e também a de
maior demanda. Existem 57 grandes reservatórios na bacia. As usinas com maior
capacidade instalada são Itaipu, Furnas e Porto Primavera. Seus principais
afluentes são os rios Grande, Paranaíba, Tietê, Paranapanema e Iguaçu.
Originalmente, a Região Hidrográfica do Paraná apresentava os biomas de Mata
Atlântica e Cerrado, e cinco tipos de cobertura vegetal: Cerrado, Mata
Atlântica, Mata de Araucária, Floresta Estacional Decídua e Floresta Estacional
Semidecídua. A floresta tropical e subtropical que antes ocupava boa parte da
bacia do Paraná encontra-se largamente extinta. A área mais preservada
encontra-se na província argentina de Misiones.
O terceiro dia de viagem se
reservou ao trajeto entre Guaira e Sonora, no Mato Grosso do Sul, pela BR 163.
Foram 840 Km de boas estradas e com uma paisagem repleta de lavouras e pecuária
extensiva. Alguns trechos tornam-se movimentados à medida que se cruza grandes
cidades como Campo Grande e Dourados. A BR 163 tem diversos pedágios e inúmeros
controladores de velocidade. A velocidade da via não é constante, com variações
a todo instante e com estes controladores muitas vezes instalados nos pontos
onde a velocidade da via sofre declínio. É uma rodovia com alta probabilidade
de sermos multados à mínima falta de atenção. Um bom serviço nesta rodovia é a
presença de inúmeras câmeras de vigilância localizadas em postes bastante altos
e diferentes dos muitos controladores de velocidade que, além de estarem ali
para identificar as infrações de trânsito, exceto excesso de velocidade, também
são muito úteis na segurança dos motoristas. O Estado do Mato Grosso do Sul
apresenta umas das maiores belezas naturais do Brasil e do mundo que é o
Pantanal Sul, a Serra da Bodoquena e a Serra do Amolar. Suas principais cidades
incluem Aquidauana, Miranda, Bonito, Corumbá, Campo Grande entre outras. A
região transpira vida selvagem.
No quarto dia, domingo, 30 de
abril, foi o trecho entre Sonora e Cuiabá, já no Mato Grosso, sendo o destino
final dessa primeira etapa da viagem, com 371 Km percorridos. Sete quilômetros
após Sonora, cruza-se o estreito Rio Correntes, que separa o Mato Grosso do Sul
(MS) do Mato Grosso (MT). Até Rondonópolis, a estrada está excelente e
duplicada. São cerca de 170 Km de muita lavoura e pouquíssima mata. A paisagem
não destoa das imensas plantações de milho e soja, o famoso celeiro mundial, e
da extensa pecuária. Avistam-se muitas emas dispersas nas lavouras e até mesmo
um criadouro de avestruz. Na margem da rodovia se observa grandes redes
frigoríficas e, contrastando, os poucos postos de combustível com alguns
abandonados e perdidos ao longo do tempo. De Rondonópolis à Jaciara se entra na
BR 364 onde a rodovia torna-se simples, irregular, com muitos buracos e
ondulações o que, associado ao intenso fluxo de caminhões, na sua grande
maioria bi-trens, torna este o trecho mais perigoso da viagem. São
aproximadamente 73 Km entre Rondonópolis e Jaciara. A partir de Jaciara até
Cuiabá a distância é de 145 Km pela mesma rodovia, porém se torna duplicada,
retornando a segurança das boas estradas e sinalizações. Apesar do intenso
fluxo de caminhões, se observa uma direção mais defensiva que os estados do RS,
SC e PR.
O Humberto deixou a moto
guardada em uma locadora de veículos, a Express Rent a Car, próximo ao
aeroporto de Cuiabá, em Várzea Grande, retornando de avião para Porto Alegre.
Minha saída de Porto Alegre foi
no dia 10 de junho, às 5 h da manhã, a uma temperatura de 11˚C, com minha
Triumph Tiger 800 XCX. Segui o mesmo trajeto do Humberto, porém meu destino no
primeiro dia era a cidade de Toledo, já no Paraná. Nosso trajeto foi modificado
próximo ao município de Cascavel (PR), onde o Humberto havia desviado em
direção à Foz do Iguaçu, e eu segui pela BR 163 até a BR 467 por 15 Km rodando
por esta rodovia mais 30 Km até a cidade de Toledo (PR). Confirmando as
impressões do Humberto, o trajeto entre Frederico Westphalen (RS) e Toledo (PR)
é, em sua maioria, péssimo. Existem alguns trechos que estão muito bons, porém
são poucos. Além das péssimas condições das rodovias, o intenso trânsito de
caminhões faz com que seja um trajeto lento e sofrível. Cheguei em Toledo às
17:30 h, com 867,3 Km rodados neste primeiro dia de viagem.
Toledo é uma cidade do Oeste do
estado do Paraná. Tem uma população aproximada de 133.000 habitantes. A região
só foi colonizada em 1946, por colonos oriundos da cidade de São Marcos, na
serra gaúcha. Em minhas viagens de moto tenho por hábito não reservar hotéis,
deixando para escolher no momento em que chego ao meu destino. Na cidade fiquei
hospedado no hotel Maestro (Av. Parigot de Souza, 2054). Um bom hotel, com café
da manhã, estacionamento fechado e atendimento bastante cordial.
No dia seguinte saí de Toledo
às 7:00 h da manhã, com uma temperatura de 7˚C, com destino à cidade de Sonora,
no MS. Continuei pela BR 467 por 39 Km até a cidade de Marechal Cândido Rondon
(PR), onde entrei na BR 163 por 66 Km até Guaíra (PR), na divisa com o MS. Já
no MS continuei pela BR 163 até Sonora, chegando em torno das 19 h local, 20 h
no horário de Brasília. O fuso horário do MS e MT está 1 h atrás do horário de
Brasília. Foram cerca de 13 horas de estradas com 946,2 Km rodados no dia.
Em Sonora fiquei hospedado no
Hotel Itatiaia, às margens da BR 163, o qual havia sido recomendado pelo
Humberto. Um bom local e com preço muito barato. A cidade está localizada no
norte do MS e conta com uma população de cerca de 15.200 habitantes.
Na manhã do dia 12 de junho dei
uma volta de moto para conhecer a pequena cidade, saindo de Sonora às 8:50 h
com destino à Cuiabá, seguindo pela BR 163 até Rondonópolis e depois pela BR
364 até o destino final. Como a distância a ser percorrida neste dia era
pequena, parei para o meu primeiro almoço da viagem, pois não costumo almoçar
quando viajo de moto por longos trajetos. O local escolhido foi o Restaurante
Pensão Seca, no Km 300 da BR 364 em Jaciara, local também recomendado pelo
Humberto.
Divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina
Divisa entre Mato Grosso do Sul e Mato Grosso
Dourados - MS
Divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul
BR 163 - MT
BR 163 - MT
Cheguei em Cuiabá no meio da
tarde rumando para o hotel Express, em Várzea Grande, ao lado da autolocadora
onde estava guardada a moto do Humberto. Este foi o único hotel com reserva
feita com antecedência durante toda a viagem. Antes mesmo de entrar no hotel,
fui ver as condições da moto do Humberto, pois tinha a preocupação que
estivesse com a bateria descarregada devido ao tempo que ficou parada. Ao
acionar a ignição, a Tiger Explorer mostrou seu “rugido” de forma instantânea.
O tigre estava acordado!!! Neste terceiro dia de viagem rodei 352,5 Km entre
Sonora e Várzea Grande.
No dia seguinte, terça-feira
dia 13, deixei a moto descansando e fui passear por Cuiabá para conhecer a
cidade.
Cuiabá é a capital do estado do
Mato Grosso e conta com uma população de 585.300 habitantes. A economia é
voltada para o comércio e indústria. Fundada no século XVIII, tem arquitetura
tipicamente colonial. O Centro Geodésico da América do Sul, demarcado pela
comissão Rondon em 1909, está localizado na praça Moreira Cabral (Rua Barão de
Melgaço, 2902). A cidade conta com diversos pontos turísticos, como a Igreja do
Rosário que é o marco da fundação da cidade, construída em 1730, a Igreja de
São Benedito, a Catedral Metropolitana, o Palácio da Instrução (museu histórico
e biblioteca), o Mercado de Peixes (museu do rio Cuiabá), o antigo arsenal de
guerra (Centro Cultural do SESC), o Centro Histórico, a Casa do Artesão, entre
outros. O calor extremo é uma das características da região.
O Humberto chegou no final da
tarde do mesmo dia. Compramos alguns alimentos para levarmos na viagem do dia
seguinte, abastecemos as motos, enchemos nossos galões de gasolina reserva e
fizemos os últimos preparativos para atravessarmos a famosa MT 060, a
Transpantaneira.
Chegada no hotel, em Várzea Grande
Igreja do Rosário - Cuiabá - MT
Catedral Metropolitana Basílica do Senhor Bom Jesus
Centro Histórico de Cuiabá - MT
Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
Casa do Artesão - Cuiabá - MT
Chegada do Humberto no aeroporto de Cuiabá
Na manhã do dia 14 de junho,
quarta-feira, saímos de Várzea Grande logo cedo. Antes de sairmos de Cuiabá
fomos até o Centro Geodésico da América do Sul. Chegando lá encontramos dois
agentes de trânsito que gentilmente autorizaram que colocássemos as motos sobre
a calçada em frente ao monumento que marca o local para que pudéssemos
fotografar. Daquele ponto saímos em torno das 9:00 h da manhã em direção à
cidade de Poconé. Retornamos por Várzea Grande até a BR 070 por cerca de 14 Km.
Na BR 070 andamos por mais 11 Km até chegarmos no início da MT 060, que leva à
Poconé. A distância do início da MT 060 até Poconé são de 77 Km asfaltados e
com boas condições de trafegabilidade. O trajeto entre Cuiabá e Poconé é de
aproximadamente 100 Km de boas estradas.
Saindo para a Transpantaneira
Centro Geodésico da América do Sul - Cuiabá - MT
No ano de 1777 surgiu o núcleo,
hoje denominado de Poconé, pela descoberta de veios auríferos os quais atraíram
um enorme contingente populacional. Em janeiro de 1871, recebeu a denominação
de São João d'El Rey, em homenagem a Dom Pedro II. Beripoconé, subgrupo do povo
indígena bororo que habitava a região, deu origem ao nome atual. O município de Poconé apresenta,
segundo dados do IBGE (2016), uma população de 32.205 habitantes. A cidade
surgiu há 200 anos, já por obra das lavras, mas só de dez anos para cá
teve início uma furiosa corrida pelo ouro. Além da mineração, a
agricultura de subsistência e a pecuária são atividades presentes na economia,
somado ao turismo que tem se fortalecido ao longo dos anos. Cerca de 80% do seu
território está localizado no Pantanal, apresentando características de cerrado
e de áreas periodicamente alagáveis, que possibilitam a existência de grande
biodiversidade e propiciam atividades pesqueiras e turísticas.
Chegando em Poconé paramos em
um posto de combustíveis logo na entrada da cidade, onde abastecemos as motos,
baixamos a calibragem dos pneus e fizemos um pequeno lanche. Dali para frente
seria o início daquilo que planejamos durante meses: a travessia da estrada
Transpantaneira. Em poucos quilômetros após sairmos de Poconé acabou o asfalto
e iniciou a estrada de chão. Finalmente estávamos no ponto inicial do que
vínhamos buscar. Desligamos o ABS e o controle de tração das motos e entramos
na Transpantaneira com um misto de alegria e tensão, pois os comentários que
escutamos nesses meses de preparação eram, muitas vezes, desencorajadores. A
rodovia tem 146 Km de extensão entre Poconé e Porto Jofre, com cerca de 126
pontes em seu trajeto sendo que mais de 90 são pontes de madeira e muitas em
estado bastante precário. As primeiras trinta e poucas pontes são de concreto,
todas elevadas em relação à estrada, com cabeceiras bastante íngremes, o que dá
aquela sensação gostosa das passagens de aclives e declives sobre a moto.
Inicialmente rodamos cerca de 17 Km até o pórtico da Transpantaneira, que marca
o início do Pantanal do mato Grosso. Neste trecho pegamos partes com areia
muito fofa, passando sem maiores dificuldades dentro da técnica preconizada de
pilotagem para esse tipo de condição. Após algum tempo parado no pórtico para
as habituais fotografias e filmagens, seguimos Pantanal a dentro. A estrada é
bastante tranquila, com um off road bem leve. Nos primeiros 60 Km encontramos
algumas pousadas ao longo do trajeto, o que nos encorajou bastante pois, caso
não conseguíssemos hospedagem em Porto Jofre, sabíamos que poderíamos retornar
e buscar hospedagem em algum daqueles estabelecimentos. Porém, após estes cerca
de 60 Km iniciais as pousadas desapareceram e nosso plano de voltar até algum
ponto para pernoitar foi ficando cada vez mais distante. De qualquer forma não
atrapalhou em nada nossa viagem, pois a beleza do lugar é maior. Inicialmente
ficamos um pouco decepcionados em relação às pontes, pois como citado
anteriormente, as cerca de trinta primeiras pontes são de concreto e não
aquelas de madeira, que são marca registrada da rodovia. Após este trecho
inicial de cerca de 60 Km, começaram a surgir as famosas pontes de madeira. Nos
últimos 80 Km, todas as expectativas de encontrar uma estrada repleta de pontes
se iniciam. Iniciam realmente, pois são pontes precárias, com tábuas podres,
soltas, ausentes em vários trechos, desniveladas e com a entrada na cabeceira
em degrau. Algumas estão bastante danificadas, com grandes espaços de madeiras
quebradas no centro e nas laterais, alguns deles capazes de engolir a moto.
Apesar de muitos terem dito que é um desafio ao motociclista e exige muita
experiência, é absolutamente acessível a qualquer um que anseia por aventura,
tenha atenção e saiba respeitar seus limites.
Chegando em Poconé - MT
Chegando em Poconé - MT
Pórtico de Poconé - MT
Durante o trajeto fomos
presenteados com um dia magnífico de sol e com a presença de uma fauna bastante
diversificada ao longo da estrada, bem diferente daquela que estamos
acostumados no sul do Brasil. A paisagem é realmente incrível, com vegetação
baixa e terras alagadas, uma fauna exuberante, o que faz com que se aumente o
cuidado quando se começa a perceber a presença de animais na estrada, como
capivaras, bois, veados, cobras e jacarés cruzando tranquilamente a rodovia. Os
jacarés estão por toda a parte onde haja algum rio. São animais muito
tranquilos e se afastam rapidamente ao perceber a nossa presença, não
manifestando qualquer agressividade. Cai por terra a lenda de que são animais
agressivos ao ser humano, comportamento este característico dos crocodilos,
espécie inexistente no Brasil. As
capivaras ficam quase imóveis na beira da estrada apenas se afastando quando a
nos percebem muito próximos. As aves são um espetáculo à parte, com seus
coloridos e grande diversificação. O intenso calor nos fez companhia durante o
tempo todo, ficando muito pior a cada parada que fazíamos para tirar
fotografias e filmar. A sudorese sob as pesadas roupas de pilotagem faz com que
seja necessária hidratação constante. Levei comigo uma mochila de hidratação de
boa qualidade, com capacidade de 2 litros de água. Para manter a água fresca,
enchi a mochila com metade de sua capacidade na noite anterior e a coloquei no
freezer para que tivesse uma pedra de gelo pela manhã, quando completei o
restante com água. Assim mantive água gelada por bastante tempo.
Cerca de 30 Km antes de
chegarmos em Porto Jofre encontramos uma pousada isolada na margem direita da
rodovia. Paramos para vermos a possibilidade de hospedagem, caso não
encontrássemos lugar em Porto Jofre. O local parecia estar abandonado, pois não
havia ninguém para nos recepcionar. Após algum tempo chamando e já tendo
adentrado a propriedade, surgiu uma simpática senhora que se identificou como a
sogra do proprietário, dizendo ser desconhecedora da possibilidade de vagas
assim como dos preços praticados. Informou que o responsável havia entrado no
mato para abrir uma trilha, porém estava demorando para retornar e que temia
que ele tivesse sido atacado por alguma onça. Resolvemos, então, continuar
nossa jornada até Porto Jofre.
Faltando aproximadamente 1 Km
para o final da Transpantaneira, já em Porto Jofre, encontramos uma placa que
sinalizava a Pousada Pantanal Jaguar Camp. Havíamos telefonado para lá no dia
anterior para verificar a possibilidade de hospedagem, quando nos fora
informado que estava lotada. Mesmo assim resolvemos fazer uma nova tentativa.
Já eram 17 horas e ainda não tínhamos onde ficar assim como também não tínhamos
como retornar sem pegarmos noite na estrada.
Ao chegarmos na pousada fomos
recepcionados com extrema cordialidade e simpatia por parte da equipe de
funcionários que, de imediato, providenciaram uma acomodação para nós. Após
descarregarmos as bagagens das motos, resolvemos ir até o que pensávamos ser o
centro de Porto Jofre para comermos e bebermos algo. Ao perguntarmos se havia
algum local que pudéssemos fazê-lo, os funcionários da pousada nos olharam meio
espantados e, entre alguns sorrisos um pouco debochados e sem perder a simpatia,
nos informaram que não existe nada em Porto Jofre. Gentilmente, o pessoal da
pousada nos preparou uma generosa porção de pintado à milanesa, peixe muito
saboroso e oriundo do Pantanal, pescado naquele mesmo dia, pela manhã. Foi uma
das melhores refeições que tivemos na viagem.
Após nos deliciarmos com o
pintado, fomos até Porto Jofre. Até chegarmos lá, a localidade nos passava a
ideia de ser uma pequena vila ao final da Transpantaneira, nas margens do Rio São
Lourenço. Porém, o que se observa é realmente o final da rodovia e a
margem do rio. Não há vila ou aglomerado de casas. É realmente o final da
linha. Avista-se, à direita, uma pequena pista de pouso junto a uma pousada e, à
esquerda, um pequeno ancoradouro para saídas dos pequenos barcos que levam
turistas para os passeios pelo rio. A alegria de termos chegado ao final da
Transpantaneira era algo indescritível. Após meses de preparação, finalmente
estávamos em Porto Jofre. Estávamos no Pantanal do Mato Grosso. Havíamos
atravessado a Transpantaneira.
Início da Transpantaneira
Pórtico da Transpantaneira
Pórtico da Transpantaneira
A estrada
Jacaré cruzando a estrada
Capivaras
Jacaré
Capivara
Humberto fotografando as aves
Marcos
Humberto
Ponte
Ponte em estado duvidoso
Marcos dando uma conferida nas condições da ponte - bem ruinzinha
Dá para passar
Mais ponte
Humberto
Ainda mais pontes
Chegada na pousada Jaguar Camp - Exaustos
Muito cansados - Valeu cada quilômetro
Chegada em Porto Jofre
Porto Jofre
Porto Jofre
A Transpantaneira nasce tendo como
principal objetivo o desenvolvimento da região, uma vez que esta era dependente
do transporte fluvial e, dessa forma, eram necessárias estradas para o seu
desenvolvimento. Hoje a Transpantaneira é uma estrada de terra batida com
algumas pontes de concreto recentemente construídas e, na sua maioria, as
famosas e já velhas pontes de madeira em estado precário, o que talvez faça
dela uma rodovia de pura aventura e contemplação das belezas naturais.
No lançamento do projeto, que
tinha o nome pomposo de Rodovia de Integração do Pantanal, falava-se com
euforia incutida sobre um certo "caminho do paraíso", o sonho
necessário do progresso em uma das regiões mais belas e isoladas do Brasil. Um
mundão dependente de um ciclo anual de águas onde pulsa a vida selvagem.
Inaugurada em 1976, a
Transpantaneira deveria ser uma movimentada rota do progresso dentro do
Pantanal Mato-grossense, unindo norte e sul da imensa planície alagada. Uma vez
criada para ligar Poconé (MT) à Corumbá (MS), a rodovia teria ao todo 397 Km. Corumbá
(MS), no sul do estado, era ponto de chegada dos trens da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil, vindos de São Paulo. Formaria, assim, uma via de ligação de
norte a sul do Pantanal, unindo por sua vez o Mato Grosso ao Sudeste do Brasil.
Na época, falava-se que "era preciso abrir caminhos para resolver
diversas questões sociais e econômicas dos pantaneiros”. As famílias dos peões, por exemplo, só
podiam sair de casa na época da seca e precisavam de mantimentos como sal e
querosene para sobreviver.
Em setembro de 1972 as obras
começaram no extremo norte do Pantanal, em Poconé (MT), e seguiram por quatro
anos de aventura até as margens do Rio São Lourenço. Para se ter uma ideia, no
primeiro ano de labuta foram aterrados apenas dez quilômetros. Máquinas
trabalhavam sem parar levando terra e cascalho para compor a estrada. Os
operários retiraram-se, então, para a cheia anual confiantes na eficiência de
seu trabalho. Ao retornarem após o período das cheias, a natureza dava um banho
de água fria em seu entusiasmo: metade dos aterros havia sido destruído pelas
águas. Da única ponte do percurso, nem sinal. O jeito foi começar tudo de novo
e seguir os trabalhos num ritmo arrastado de molha-desmonta durante quatro anos
e 145 Km. Em 1977 o Mato Grosso foi dividido em dois na altura do Rio São
Lourenço, justamente o ponto onde a estrada havia emperrado. Mudou o estado,
mudou o governo, mudaram os interesses e a estrada ficou por ali. O que restou
foi uma estrada não pavimentada com média de dez metros de largura. O aterro é
baixo e o ponto mais alto tem 2,2 metros. Mas a característica mais evidente da
Transpantaneira é ser, proporcionalmente, a estrada com maior número de pontes
do mundo. Ao longo de seus 146 Km, são 126 pontes. Somados, os vãos das pontes
têm um total de 3,5 Km. Desgastadas pelas águas que sobem e descem ano após
ano, atualmente apresentam-se precárias e perigosas (Revista Terra, nº6 - Jun
1998). Sua construção parou em Porto Jofre (MT), permanecendo uma estrada de
terra hoje fundamentada no turismo, no acesso às fazendas e nas situações
pitorescas dos moradores da região. Mais de 40 anos já se passaram e o destino
final nunca fora alcançado.
O período sazonal das chuvas faz com
que, devido ao aumento do nível dos rios da bacia do rio Paraguai, grandes
áreas sejam constantemente alagadas, cobrindo até dois terços da área do
Pantanal, trazendo prejuízo econômico para alguns fazendeiros. Em virtude
disso, novos problemas surgiram a partir do momento em que algumas fazendas
resolveram criar diques com o objetivo de impedir que suas terras alagassem,
mas levando ao alagamento de propriedades vizinhas durante o ano todo, causando
um caos econômico. (Revista Terra, nº6 - Jun 1998).
O clima da região é tropical semiúmido,
com temperatura média anual entre 23˚C a 25˚C. Entre outubro e março ocorre a
época de cheia, sendo o período de seca compreendido entre abril e setembro,
onde ocorre maior visitação de turistas que buscam o local para estudo e observação
da fauna, safáris fotográficos, focagem noturna, passeios de barco e cavalo,
além de pesca esportiva. O Pantanal
é um ecossistema único. Por ser extremamente baixa e plana, com altitudes que
não vão além de 200 metros acima do nível do mar, a região muda a cada mês, ao
sabor das águas que alagam seus campos imensos e depois recuam, num movimento
contínuo que dita a vida e os hábitos de sua fauna numerosa e variada. É um verdadeiro zoológico a céu
aberto, onde estão catalogadas 263 espécies de peixes, 113 de répteis, 41 de
anfíbios, 463 de aves e 132 de mamíferos. Os rios que cortam a região estão
ligados à bacia hidrográfica do rio Paraguai. O bioma tem 150 mil quilômetros
quadrados sendo uma das maiores planícies alagadas do mundo, com 80% de sua
área dentro do Brasil, correspondendo a 2% do território brasileiro. Está
localizado no sudoeste do Mato Grosso, oeste do Mato Grosso do Sul, Paraguai e
Bolívia. Foi considerado pela UNESCO, no ano de 2001, como Patrimônio Natural
da Humanidade.
À noite, na Pantanal Jaguar Camp,
todos se reuniram em volta de uma fogueira quando nos foi servido um delicioso
caldo de piranha ao mesmo tempo em que o Ailton, proprietário da pousada, com
seu violão nos brindava com músicas pantaneiras. A conversa rolava solta e o
clima de amizade vertia entre as pessoas ali presentes, entre hóspedes e
funcionários. Dentre os hóspedes, estava uma equipe da rede de televisão SBT
responsável por um programa de pesca chamado Hora do Pescador, apresentado pelo
âncora Jair Rigotti. O Jair e sua equipe já estavam há vários dias na pousada,
saindo diariamente para pesca esportiva e gravação do programa pelo rio São
Lourenço. O programa gravado foi ao ar no dia 23 de julho e pode ser visto pela
internet no site www.horadopescador.com.br. Após este período de
confraternização, nos foi servido o jantar.
Noite na pousada com o Ailton cantando músicas pantaneira
Saboreando caldo de piranha - Humberto, Jair Rogotti, guia de turismo e turista canadense
Na manhã seguinte levantamos em torno
das 6 horas. Após o café, saímos em passeio pelo rio São Lourenço tendo como
“piloteiro” (assim são chamados os condutores dos barcos nos rios do Pantanal)
o Ailton. Nosso objetivo era conhecer o rio, além de observar e fotografar os
animais, em especial tentar encontrar a onça pintada. Os piloteiros navegam
pelo rio São Lourenço e seus afluentes como se estivessem caminhando dentro de
sua própria casa. Conhecem cada canto como a palma de suas mãos. Chama a
atenção o companheirismo entre os condutores dos barcos das diversas pousadas
da região. Cada vez que um barco avista uma onça pintada avisa a localização do
felino, por rádio, aos outros barcos das demais pousadas. Não existe
competição. São todos nativos da região com o objetivo de proporcionar ao turista
o melhor aproveitamento possível daquele passeio, mantendo os laços de amizade
que os unem.
Em nosso passeio foi possível
observar um grande número de animais como jacarés, ariranhas, tuiuiús dentre
muitas outras aves, sendo o ponto alto o encontro com a tão esperada onça
pintada. Permanecemos por algumas horas com o barco parado observando o
comportamento daquele felino, com uma beleza e imponência ímpar, deitado na
outra margem do rio, distante poucos metros de nós. A onça tem por hábito caçar à noite e
descansar durante o dia. Sempre que se depara com a presença humana tende a
fugir e não atacar, exceto se sentir-se ameaçada ou estiver com fome. É um
animal traiçoeiro e perigoso, pegando suas vítimas pelas costas. A onça pintada
é o maior felino da América do Sul, podendo chegar a 135 Kg. Suas presas
naturais são os animais silvestres, como capivaras, jacarés, tatus, entre
outros. As mudanças ambientais ocasionadas pela interferência humana, levou à
diminuição desses animais silvestres fazendo com que as onças passassem a
atacar os animais domésticos sendo, assim, perseguidas pelos fazendeiros por
atacarem os rebanhos das fazendas. Esse comportamento está levando à diminuição
da população das onças de forma bastante severa. Para ajudar a reverter essa
situação, foi criado o projeto Onça Pantaneira pelo Instituto Pró-Carnívoros,
orientando aos pecuaristas maneiras de reduzir o ataque das onças aos seus
rebanhos.
Os jacarés são animais com presença
constante nos rios do Pantanal. Estão por todo lado, seja nadando lentamente,
seja parado nas margens dos rios. Medem de 2 a 3 metros de comprimento, em
média. Os jacarés habitam nosso imaginário como um réptil agressivo e devorador
de humanos, o que não corresponde a realidade. O jacaré tem como alimentos os
peixes, crustáceos e moluscos. Quando da presença humana, se afastam
rapidamente, geralmente não representando ameaça.
O Tuiuiu, também chamado de Jaburu
dentre outras denominações, é a ave símbolo do Pantanal. Pode chegar a 1,4 m de
comprimento e 1,6 m de altura, com peso de até 8 Kg. A distância entre suas
asas abertas pode chegar a 3 m de envergadura. O bico tem cerca de 30 Cm. É a
maior ave voadora do Pantanal. Sua alimentação é composta por peixes, répteis,
moluscos, insetos e pequenos mamíferos, vivendo nas margens dos rios e lagos
com poucas árvores. É encontrado em quase toda América do Sul, porém 50% da
população mundial está em território brasileiro (http://www.wikiaves.com/tuiuiu).
Rio São Lourenço
Rio São Lourenço
Ariranha
Rio São Lourenço
Jacaré
Tuiuiu
Fotografando a onça
Onça
Onça
Jacaré
Ailton e Humberto
Marcos e Humberto em uma das ilhas do rio São Lourenço
Humberto
Após retornarmos do passeio pelo rio,
almoçamos na pousada e partimos de volta para Poconé. Estávamos novamente na
Transpantaneira, desta vez já familiarizados com a estrada e suas pontes, assim
como o calor intenso. Saímos da Pantanal Jaguar Camp em torno das 14 horas,
chegando em Poconé em torno das 18:30 horas. No caminho fizemos mais algumas
paradas para fotografar e filmar. Nossa última parada antes de Poconé foi no
pórtico da Transpantaneira, quando o Humberto me alertou para um ruído que
havia notado na moto. Ao inspecionar, descobriu um prego de aproximadamente 20
Cm cravado no pneu traseiro da sua Explorer, porém sem ter perdido o ar. Como
não estava interferindo na pilotagem, optamos por manter o prego no local, pois
sua remoção poderia provocar o esvaziamento do pneu. Ainda estávamos a cerca de
20 Km da borracharia mais próxima com a noite chegando. Ao chegarmos em Poconé
rumamos para uma borracharia. Após removermos o prego percebemos que estava
apenas em uma das travas, não acometendo a parte interna do pneu da moto. Este
tipo de prego, caso houvesse entrado perpendicularmente ao eixo central do
pneu, poderia ter levado a um grande estrago não só do pneu como também do aro
da moto, ou até mesmo causar um acidente. Em conversa com o amigo André Vargas,
experiente piloto e instrutor de pilotagem em Porto Alegre, antes de irmos para
o Pantanal, ele me contava que quando passou pela Transpantaneira teve um dos
pneus de sua BMW GS 1200 furado por um prego. Pensei se tratar de uma
fatalidade e que dificilmente aconteceria novamente. Ledo engano. Com o grande
número de pontes de madeira em estado de conservação precário e seus constantes
consertos, não é nada difícil encontrar um prego ou artifícios metálicos soltos
na estrada, podendo nos causar um infortúnio durante a viagem. É muito
importante levarmos equipamentos para conserto de pneus durante o trajeto da
Transpantaneira.
Chegando em Poconé
Novas amizades
Marcas da estrada
Prego no pneu da moto do Humberto
Em Poconé ficamos hospedados no Hotel
Chalana, localizado logo na saída da cidade em direção à Cuiabá. O hotel é
bastante simples, porém de boa qualidade e com preço bastante barato. No hotel
conhecemos alguns garimpeiros que nos contaram das dificuldades enfrentadas
atualmente nesse tipo de atividade. À
noite fomos jantar na região central, junto à praça da cidade. Um dos pratos
típicos da região é o espetinho, onde se pode optar por algum tipo de carne
assada na brasa com acompanhamentos.
Na manhã seguinte, sexta-feira, dia
16 de junho, após sairmos do hotel fizemos mais um passeio pela cidade de
Poconé para depois partirmos em direção à Chapada dos Guimarães. Saímos de
Poconé em torno das 9:30 horas, retornando pela MT 060 até a BR 070 em direção
à Cuiabá. No caminho paramos em um posto de combustíveis onde conhecemos dois
motociclistas do Tocantins com destino à Bolívia e Peru. Eram o Carlão Dodgers,
também do Moto Clube Bodes do Asfalto, da facção Palmas e o Saint Clair. Após
alguns minutos de conversa e estreitamento de laços de amizade, seguimos nosso
roteiro. Em Cuiabá pegamos a BR 158 por cerca de 61 Km até chegarmos na Chapada
dos Guimarães, em torno das 11:50 horas. A BR 158 tem trechos belíssimos
próximo à Chapada dos Guimarães aliados com algumas curvas, compondo um visual
deslumbrante. São aproximadamente 169 Km entre Poconé e Chapada dos Guimarães.
Em Chapada dos Guimarães ficamos hospedados na pousada Villa Guimarães, um
local muito bom com o único inconveniente de não haver disponível, naquele
momento, quartos com banheiros individuais.
Igreja de Poconé
Em Poconé encontramos um dos amigos da Pousada Pantanal Jaguar Camp
Poconé
Poconé
Humberto, Saint Clair, Carlão Dodgers e Marcos
O núcleo que originou o atual
município de Chapada dos Guimarães teve sua fundação oficial em 1751,
inicialmente denominado Sant’Ana da Chapada que era o nome da missão jesuítica
que ali existia na época. Os primeiros a chegarem na região foram os
bandeirantes e os garimpeiros, em busca de ouro e diamantes. Chapada dos
Guimarães permaneceu como distrito de Cuiabá até 1953, quando foi elevado à
categoria de município. A cidade tem diversos pontos turísticos, contando com
46 sítios arqueológicos, dois sítios paleontológicos, 59 nascentes, 487
cachoeiras, duas reservas estaduais, dois parques municipais, 157 Km de
paredões, 42 imóveis tombados pelo IPHAN, 3.300 Km² de parque nacional e 2.518
Km² de área de proteção ambiental ( http://www.chapadamt.com.br ). A população estimada pelo IBGE em
2016 era de 18.906 habitantes. A cidade conta com uma praça central onde está a
igreja de Nossa Senhora de Sant’Ana, construída após a expulsão dos jesuítas
pelo governo de Portugal, no ano 1779. Sua construção durou apenas dois meses.
No entorno da praça existem diversos restaurantes e lojas de artesanatos, sendo
o ponto central da cidade com um grande movimento de turistas.
Igreja de Chapada dos Guimarães
Praça de Chapada dos Guimarães
Cachoeira Véu de Noiva - Chapada dos Guimarães
Noite na praça em Chapada dos Guimarães
No dia seguinte, sábado, 17 de junho,
iniciei meu retorno para Porto Alegre. Logo cedo despedi-me do Humberto, que
retornou para Cuiabá. Lá deixou a moto novamente, retornando de avião para
Porto Alegre no mesmo dia para, em julho, continuar sua viagem solo em direção
ao Tocantins como parte do seu projeto de viajar de moto por todos os estados
do Brasil. Saí da Chapada dos Guimarães em torno das 7 horas da manhã, com
destino a Campo Grande (MS). Segui em direção à Campo Verde rodando 60 Km pela
MT 251 até a MT 140 e mais 12 Km por esta última rodovia até chegar em Campo
Verde. Em Campo Verde segui pela MT 344 por mais 67 Km até Jaciara. Cerca de 20
Km após Campo Verde existe o maior quebra-molas pelo qual já passei. A MT 344 é
uma rodovia muito ruim, porém com trechos em obras, o que sugere que logo
estará em boas condições. Em Jaciara sigo pela BR 364 por cerca de 73 Km até
Rondonópolis pegando novamente o intenso trânsito de caminhões que já havia
experimentado no meu terceiro dia de viagem. A partir de Rondonópolis segui
pela BR 163 até Campo Grande, por mais cerca de 493 Km, chegando em torno das
16 Horas.
Já em Campo Grande, fui em busca de
um hotel. Enquanto estava na avenida de acesso à cidade, parou ao meu lado um
motociclista em uma BMW GS 800 perguntando se eu estava precisando de algo.
Informei estar em busca de um local para me hospedar. O novo amigo me conduziu
até um hotel próximo e ainda ofereceu a sua casa para que eu passasse a noite,
ao que agradeci pois teria que sair muito cedo na manhã seguinte. O
motociclista era o Antônio, marceneiro e morador de Campo Grande. São situações
assim que o motociclismo nos proporciona e cujo valor é inestimável. À noite
jantei em um shopping em frente ao hotel, onde encontrei o amigo e colega de
profissão Alexandre Cury, grande pessoa com quem convivi em Porto Alegre por
alguns anos. Hoje mora em Campo Grande onde exerce suas atividades
profissionais com grande destaque em sua especialidade. Neste primeiro dia de
regresso para Porto Alegre e oitavo dia de viagem foram 701,8 Km rodados entre
Chapada dos Guimarães (MT) e Campo Grande (MS).
Despedida em Chapada dos Guimarães
Em Chapada dos Guimarães, iniciando meu retorno para casa
Na manhã seguinte, domingo, 18 de
junho, saí de Campo Grande às 7 horas da manhã, horário local, com destino à
São Miguel do Oeste, em Santa Catarina. Segui pela BR 163 atravessando o Mato
Grosso do Sul e o Paraná. Cheguei na cidade de Barracão em torno das 18 horas,
faltando cerca de 63 Km para São Miguel do Oeste (SC), já ao anoitecer. Após
abastecer a moto, resolvi seguir viagem mesmo já tendo anoitecido, pois a
distância era pequena. Eu estava quebrando uma das minhas regras básicas quando
viajo de moto que é não andar após o anoitecer, e iria me arrepender logo em seguida.
A BR 163 entre Barracão e São Miguel do Oeste está em péssimas condições, sem
sinalização adequada e com trechos em obras. Para piorar a situação começou a
chover, atrapalhando ainda mais a visibilidade já ruim, piorando a péssima
rodovia e tornando a situação ainda mais tensa. Posso dizer que o trajeto entre
Barracão (PR) e São Miguel do Oeste (SC) foi muito pior e mais perigoso que a
Transpantaneira. Cheguei em São Miguel do Oeste em torno das 19:30 horas, com
frio e chuva, indo em busca de um hotel. Fiquei hospedado no que me informaram
ser o melhor hotel da cidade, chamado Hotel Solaris. Realmente é um bom lugar,
porém meu quarto não estava com o ar condicionado funcionando o que, mesmo
assim, me foi cobrado por este serviço. Neste dia rodei 904,1 Km entre Campo
Grande (MS) e São Miguel do Oeste (SC).
Dia 19 de junho de 2017,
segunda-feira. Último dia de viagem. Saí de São Miguel do Oeste logo cedo pela
BR 282, percorrendo 50 Km até a BR 158 e mais 48 Km até a divisa entre Santa
Catarina e o Rio Grande do Sul. Nestes últimos 48 Km antes de entrar no RS o
trajeto se dá já pela BR 386, segundo as placas da rodovia, porém no Google
Maps a rodovia está registrada ainda como a BR 158. Após a divisa entre os dois
estados cruzando a ponte sobre o rio Uruguai, continuei pela BR 386 passando
pelos municípios de Iraí e Frederico Westphalen, parando para tomar um café e
abastecimento no município de Seberi, em torno das 10:15 horas, com 151 Km
rodados desde São Miguel do Oeste. Continuei pela BR 386 até chegar na BR 448,
em Canoas (RS) por onde cheguei em Porto Alegre, já no final da tarde,
desligando o motor da moto pontualmente às 18 horas, com 562,6 Km percorridos
naquele dia, entre São Miguel do Oeste e Porto Alegre. O total percorrido nessa
viagem foi de 4.958 Km. O melhor de tudo na minha chegada em
Porto Alegre foi ser recepcionado por meu filho André, também motociclista, que
estava me aguardando “de surpresa”. Após todos estes dias na estrada, repleto
das emoções da viagem e com muitas saudades dos familiares, ser recebido assim
não tem como descrever a sensação.
Campo Novo - MT
Chegada em Porto Alegre
A travessia da rodovia MT 060, a
Transpantaneira, foi um projeto que eu e o Humberto planejamos por vários meses
e faz parte de um projeto maior a ser realizado pelo Humberto que é percorrer
todos os estados Brasil de moto e do qual pretendo participar em alguns
trajetos. Foram muitos estudos, conversas e dúvidas a cerca do que nos esperava
na Transpantaneira, assim como muitas eram as fantasias que passavam por nossa
mente. Jacaré não ataca pessoas e piranha não come gente. Onça também foge de
nós. Na realidade, o animal mais perigoso que encontramos foram os humanos
pois, durante toda viagem, o único perigo que corremos foi com os motoristas
imprudentes e inconsequentes nas estradas. A beleza do Pantanal do Mato Grosso
é indescritível, assim como também a simplicidade e acolhimento por parte das
pessoas que cruzaram nossos caminhos.
Muitos amigos motociclistas
manifestam o desejo de realizar essa viagem, porém o medo acaba por ser o maior
fator limitador. A viagem é bastante tranquila e o trajeto da Transpantaneira,
desde que tomado alguns cuidados básicos, pode ser feito com bastante
segurança, aproveitando ao máximo as belezas do Pantanal. Os riscos são os
mesmos de qualquer viagem de moto em estradas sem pavimentação, com um off road
também bem tranquilo.
Abaixo relaciono algumas dicas que
usei na viagem. O preparo conta com cuidados básicos e comuns a todas viagens
de moto, assim como cuidados pessoais os quais julgamos nos ajudar.
1.Para atravessar a Transpantaneira
devemos escolher a época das secas, entre abril e setembro, quando as estradas
estão transitáveis. Na época das chuvas a estrada fica intransponível até mesmo
para os nativos da região.
2.A escolha da moto também pode fazer
diferença, sendo o ideal o uso de motos com condições de off road, como as big
trails, porém até mesmo com uma custom ou qualquer outra motocicleta se pode
fazer o percurso, desde que com uma tocada mais leve e um pouco mais de cuidado,
respeitando as limitações impostas.
3.É importante ter alguma experiência
em pilotagem off road e em transposição de pontes de madeira, pois essas estão
em quase todo o trajeto. Sempre passando sobre as tábuas longitudinais e
escolhendo o lado que estiver em melhores condições, que geralmente são as que
recebem melhor manutenção, ficando as tábuas transversais em pior estado. Na
dúvida se pode parar antes e passar a pé para verificar as condições da madeira
pois, muitas vezes, podemos nos deparar com tábuas quebradas ou podres. Caso
saia de cima das tábuas longitudinais, jamais tentar retornar com a moto
andando: será tombo na certa. É melhor parar e levar a moto empurrando,
torcendo para que não haja alguma falha grande nas tábuas transversais e que
estas estejam em boas condições.
4.Na minha moto utilizei pneus Metzeler
Tourance 70% on road e 30 % off road. Não senti qualquer dificuldade maior, com
a moto se mantendo bem segura tanto no on como no off road, mesmo no trajeto de
areia solta do início da Transpantaneira.
O Humberto foi com pneus Heidenau K 60 Scout 50% on road e 50% off road,
também sem problemas. Do percurso de quase 5.000 Km, cerca de 95% foi
percorrido em asfalto e apenas 5% no off road, o que não justifica a utilização
de pneus mais voltados para estrada de chão.
5.Antes de entrarmos no trajeto off
road, baixamos a calibragem dos pneus para cerca de 20 a 25 libras, desligamos
o ABS e o controle de tração. Ao retornarmos, chegando em Poconé, novamente
enchemos os pneus com a calibragem recomendada pela Triumph para uso on road.
6.Um item fundamental foi o uso de mochila
de hidratação. Lembrar que no Mato Grosso o calor é intenso e suamos muito.
Costumo deixar a mochila no congelador do hotel na noite anterior, com metade
de sua capacidade preenchida com água para que esteja congelada pela manhã,
preenchendo o restante com água fresca antes de sair. Isso nos garante água
gelada por muito mais tempo durante a viagem.
7.Devemos calcular o tempo que iremos
permanecer na Transpantaneira, evitando pegar noite na estrada. Lembro que os
animais mais perigosos da região têm hábitos noturnos. Embora sejam apenas 146
Km, o tempo que se leva para percorrer é sempre muito maior do que pensamos,
pois além de ser uma estrada de chão onde a velocidade é mais baixa, temos as
dezenas de pontes e as diversas paradas para contemplação, fotografias e
filmagens. Cruzar a Transpantaneira de forma rápida é perder o que de melhor
temos em nossa viagem. O tempo mínimo a ser reservado, ao meu ver, não deve ser
menor do que 4 horas.
8.Utilizamos rastreadores da Skysulbra
em nossas motos e em nossos telefones, sendo monitorados em tempo integral pela
empresa de rastreamento e por familiares previamente autorizados com os quais
mantivemos contato em todo o trajeto, informando o plano de viagem. Desta forma
é possível saber tanto a localização da moto assim como a nossa localização.
Mantivemos o telefone celular sempre junto a nós e não em algum compartimento
da moto pois, em caso de estarmos afastados das motos por algum motivo alheio a
nossa vontade, a equipe de rastreamento identificará a irregularidade. O
rastreamento nos dá mais segurança e tranquilidade, principalmente se estamos
viajando sozinhos.
9.Levamos em cada moto um galão com 5
litros extra de gasolina, pois não existe postos de combustíveis na
Transpantaneira. É preciso termos gasolina para cobrir todo o trajeto de ida e
volta da rodovia, lembrando que o último posto fica em Poconé onde abastecemos
pela última vez antes de entrarmos na Transpantaneira.
10.Na bagagem levar protetor solar e
repelente de insetos. Caso tenha camiseta de manga longa com proteção solar,
será bastante útil durante os passeios pelo Pantanal.
É claro que, mesmo tomando todos os
cuidados possíveis, sempre estamos à mercê de imprevistos aos quais não estamos
preparados. O importante é minimizarmos a possibilidade de problemas. Somos
eternos aprendizes e cada viagem é uma nova aula onde recebemos novos
ensinamentos. Como em qualquer viagem de moto, jamais devemos esquecer que
acima e tudo temos o dever de retornarmos em total segurança para nossa casa e
para junto daqueles a quem amamos.
Rota Porto Alegre - Cuiabá
Rota Cuiabá - Porto Jofre
O texto aqui escrito foi redigido por mim e pelo Humberto.
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