terça-feira, 14 de abril de 2015

Rota das Charqueadas – Pelotas

Sexta-feira, dia 3 de abril de 2015.
Saída de Porto Alegre às 8:43 horas, desta vez só. Apenas eu e minha NC 700 X. Saí pela ponte sobre o lago Guaíba em direção sul, acessando a BR 290 e a BR 116, com destino à Pelotas, pelo mesmo trajeto já descrito na postagem sobre o 18º Moto Lagoa. Desta vez minha primeira parada foi no Paradouro Coqueiro, no Km 453 da BR 116, no município de São Lourenço do Sul, a cerca de 184 Km de Porto Alegre. Por se tartar de uma sexta-feira Santa, primeiro dia do feriadão de Páscoa, a estrada estava muito movimentada. Cheguei em Pelotas no final da manhã, com exatos 261,7 Km rodados.
Durante a tarde apenas descansei e, à noite, acompanhado da amiga e colega Andréa,  fui ao restaurante Madre Mia, um local fantástico e que reúne arte e gastronomia relacionados à cultura hispânica. O atendimento é espetacular e vale à pena as cervejas diversas. Caso deseje experimentar um pouco de cada cerveja, a dica é pedir um combo, que vem com três copos com diferentes tipos de cerveja a sua escolha, por R$ 25,00.
No dia seguinte, 04 de abril, à tarde, fui fazer a rota das charqueadas. Para se chegar lá segui pela Av. Bento Gonçalves até a Av. Ferreira Viana dobrando à esquerda na Av. São Francisco de Paula e, à direita na Av. Domingos de Almeida, seguindo até o fim onde a sinalização nos facilita muito a chegada.


Trajeto em Pelotas até a Rota das Charqueadas















As charqueadas eram fazendas produtoras de charque, uma forma de conservar a carne do gado com sal. No século XVIII, com a expulsão dos espanhóis que viviam no sul do Brasil, ficaram por estas terras um grande número de cabeças de gado que, com a intensa procriação, formaram um grande rebanho selvagem. Nesta mesma época, a conservação da carne com sal era exclusividade do nordeste do Brasil porém, com a seca no nordeste, grande parte do rebanho bovino de lá foi perdido. No ano de 1777, o português José Pinto Martins, morador do Ceará, sabedor deste grande rebanho bovino existente no sul do país, resolve ali se instalar chegando, inicialmente, na atual cidade do Rio Grande, litoral sul do Rio Grande do Sul. Devido ao constante e intenso vento da região associado à areia da praia, a produção do charque se tornou inviável, o que fez com que ele procurasse um local onde não houvesse aquelas condições climáticas e, ao mesmo tempo, fosse possível o escoamento da produção do charque para o resto do país. Estas condições encontrou na Freguesia de São Francisco de Paula, às margens do arroio Pelotas, hoje cidade de Pelotas. Ali instalou a primeira charqueada da região. O arroio Pelotas se liga ao canal São Gonçalo, que faz a união entre a Lagoa dos Patos e a Lagoa Mirim. A Lagoa dos Patos desemboca no Oceano Atlântico, na barra do Rio Grande, no municípo do mesmo nome. Por ali era escoada a produção do charque de Pelotas para o restante do Brasil.
Nas charqueadas o gado era abatido através de uma marretada na cabeça e sangrado em um local específico. O sangue, por sua vez, era escoado para o arroio Pelotas onde também eram depositados os restos não aproveitados  destes animais abatidos. Por este motivo, o arroio Pelotas também ficou conhecido como Rio Vermelho. A melhor carne era consumida pelos fazendeiros e a  carne menos nobre era transformada em charque e vendida para o resto do Brasil. Para os escravos sobrava apenas o que não era aproveitado nem para o charque. Destes restos do gado, surgiu o prato que conhecemos como mocotó, que era feito com restos de intestinos, estômago e patas de vaca, sendo bastante calórico para o uso dos escravos e, logicamente, sem os condimentos e especiarias hoje utilizados no mocotó que conhecemos.
Devido ao mau cheiro no local e às condições insalubres, os fazendeiros levavam seu familiares para morarem longe da sede das charqueadas, o que fez surgir um povoado que veio a ser a cidade de Pelotas. A distância do centro da cidade até às charqueadas é de cerca de 7 Km.
Os escravos que trabalhavam nas charqueadas tinham uma vida média de 5 a 7 anos pois, além de serem submetidos a uma jornada extenuante de trabalho de 20 horas por dia, também eram mal alimentados. Os mais fortes e que sabiam nadar, eram responsáveis por levar o charque através do arroio Pelotas às outras charqueadas, em embarcações que eram puxadas por uma corda presa à boca do escravo e levadas a nado. Estas embarcações, de origem indígena cuja existência era anterior às charqueadas, por terem o formato arredondado como uma bola, foram denomiadas pelota pelos espanhóis e, devido ao grande número delas nesta região, foi originado o nome da cidade de Pelotas. O trabalho nas charquedas era considerado o pior que poderia ser ofertado a um escravo. Era como uma punição.
O período de produção do charque era de novembro a abril e, no restante do ano, os escravos trabalhavam nas olarias, produzindo telhas e tijolos. As telhas eram de barro e moldadas nas coxas dos escravos, fazendo com que tenham formatos diferentes entre si, o que pode ser observado nas construções ali ainda existentes. Desta forma de confeccionar telhas é que surge a expressão “feito nas coxas”, quando nos referimos a algo mal feito.
O auge da produção do charque se deu no século XIX, com um total de 40 charqueadas produzindo o charque. A intensa produção fez com que os donos das charqueadas acumulassem grande fortuna, permitindo enviar seus filhos para estudar na Europa. Estes, ao retornarem à Pelotas, eram feitas recepções onde os jovens eram reapresentados à sociedade. O fato de retornarem com hábitos europeus refinados fez com que Pelotas seja conhecida nacionalmente de forma pejorativa até os dias de hoje.
Com a abolição da escravidão os escravos sairam das charqueadas e a mão de obra se tornou cada vez mais rara, fazendo com que esta atividade desaparecesse. Aliado a isto, surgiram novos processos de conservação da carne.
Das poucas charqueadas que permanecem até os dias de hoje, apenas duas são abertas à visitação com um maior cunho turístico. São elas a Charqueada Santa Rita e a Charqueada São João, situadas uma ao lado da outra, as quais escolhi para visitar. As construções ali existentes são em estilo colonial e nos remetem ao século XIX, proporcionando uma viagem no tempo. Outra opção de conhecer a rota das charqueadas é através de um passeio de barco pelo arroio Pelotas.
A primeira charqueada que visitei foi a Santa Rita, construída em 1826. Era de propriedade de Inácio Rodrigues Barcellos e contava com 30 escravos. A visita guiada sai por R$ 15,00. A casa principal não pode ser visitada, pois os proprietários ali residem. Mesmo assim, o passeio é muito legal. Nesta charqueada existe uma pousada construída no local onde viviam as escravas. Nos fundos da casa principal existe um salão de festas utilizado hoje para eventos. No século XIX era o local onde a carne era salgada e, ainda hoje, existe uma grande concentração de sal no solo do local, com seu efeito notado pelo desgaste do piso e pela parte baixa das portas, bastante danificadas. O local onde era a senzala foi destruído e soterrado. Foi nesta charqueada que se instalou a primeira fábrica de enlatados de carne, popularmente chamada de Fábrica de Línguas. Esta atividade fez com que a charqueada Santa Rita se mantivesse produtiva durante a decadência do ciclo do charque. Na Charqueada Santa Rita foi gravado o filme Concerto Campestre, lançado em 2005.


Casa principal



















Pelota


Porta do século XVIII, com as marcas da Charqueada Santa Rita

Saindo da charqueada Santa Rita fui até a charqueada São João, localizada ao lado da primeira. A visita guiada sai por R$ 20,00 por pessoa e nossa guia foi a senhora Eva, que domina com muita propriedade a história do local. Nesta se pode conhecer a casa principal, que está preparada para para que se possa tomar conhecimento do que ocorria na época do auge de sua produção. Esta visita é bem mais demorada e detalhada do que na Santa Rita, mesmo assim não tirando o valor da visita à primeira charqueada. A Charqueada São João, construída em 1810,  era de propriedade de Antônio José Gonçalves Chaves. A residência, em estilo colonial, é térrea e com um pátio interno. Ali vivia o proprietário com sua esposa e filhas. O pátio interno somente poderia ser utilizado pelas mulheres à noite, pois o sol tiraria a cor branca de sua pele, que era sinônimo de beleza da época. A casa foi construída com diversos cômodos com diversas aberturas que os comunicam entre si. A intenção deste tipo de construção era para confundir possíveis invasores, facilitando a fuga dos moradores. Ainda se pode observar um grande armário embutido em uma das paredes de uma das salas, incomum para a época, e que serve de rota de fuga para um sótão, sendo as prateleiras utilizadas como degraus para que, em caso de invasão, as mulheres e crianças tivessem a possibilidade de por ali fugirem.


Charqueada São João com Arroio Pelotas ao fundo



Pátio interno da Charqueada São João
Na Charqueada São João existe uma grande figueira com idade presumida de 500 anos, cujas raízes já passaram sob a casa, sendo encontradas no lado oposto da construção. Em sua última mensuração constou um diâmetro de 40 metros na copa.



Vista a partir de um dos cômodos


Grande figueira e parte da frente da casa principal da Charqueada São João
Gonçalves Chaves era conhecido como um homem extremamente culto e com domínio de diversos idiomas. Como maçon, construiu uma pequena gruta com a imagem de São João Batista, patrono da maçonaria. Nesta ele fazia com que os escravos rezassem, com a intenção de lhes converter ao catolicismo. Com o tempo se descobriu que sob conchas que faziam parte da construção, existiam pequenas imagem que poderiam ser os Orixás do Candomblé, religião proferida pelos escravos. Enquanto ali estavam aparentemente rezando ao santo católico, na verdade estavam em devoção aos seus Orixás. Também se pode observar ao redor do tronco da grande figueira e ao redor do tronco de outras árvores, construções em formato de estrela, em alusão ao pentagrama como um dos  símbolo da maçonaria.
Gruta a São João

Pentagrama
Em ambas charqueadas visitadas, se pode observar portas do século XVIII, onde estão gravadas as marcas destas propriedades. Eram sinais feitas com ferro em brasa que eram marcados no gado e nos escravos, para a identificacão de posse.
A Charqueada São João ficou nacionalmente conhecida por ali ter sido gravado as miniséries A Casa das Sete Mulheres e O Tempo e o Vento, da Rede Globo.
Saindo da Charqueada Santa Rita percebi que o suporte do baú da minha moto estava frouxo. Deixei para resolver após a visita às duas charqueadas. Ao sair da São João procurei uma oficina de motos que pudesse me ajudar a refazer a fixação. Retornando pela Av. Domingos de Almeida encontrei uma oficina e loja de artigos de motociclismo chamada PIT  STOP (Av. Domingos de Almeida, 277 – Areal – Pelotas), de propriedade do Carlos Müller. A loja é atendida pela esposa dele. Ao chegar lá ele estava à frente do estabelecimento fazendo um conserto. Largou seu afazer para me atender. Constatou que houve deformidade das placas de fixação do suporte do baú Givi, perdendo a estabilidade. Fez uma nova fixação do suporte ao bagageiro, com muito cuidado e capricho. O Carlos é uma cara que, em um primeiro contato, já se percebe a dedicação e atenção. Uma oficina pequena e muito organizada. Em  uma próxima viagem de moto à Pelotas sei onde me socorrer em caso de necessidade. O telefone dele, para quem desejar, é (53)3228.7820 e (53)3228.0935.
Domingo de Páscoa, dia 05 de abril. Após um maravilhoso almoço em família, saí de Pelotas em direção à Santa Maria, às 15:20 horas. O trajeto foi pela BR 392, por uma distância de cerca de 300 Km.
A estrada passa pelos municípios de Morro Redondo, Canguçu, Santana da Boa Vista, Caçapava do Sul e São Sepé, antes de chegar em Santa Maria. É muito boa, com alguns poucos trechos com curvas muito legais. Peguei um pouco de chuva no primeiro terço da viagem, o que me obrigou a parar para colocar roupa de chuva. Uma breve parada para reabastecer a moto com um pouco mais de 200 Km rodados. Próximo à Santa Maria, a chuva reiniciou com mais intensidade. Para piorar, o movimento de carros na chegada à cidade era bastante grande. Cheguei no hotel em torno das 19 horas.
Permaneci em Santa Maria na segunda e na terça-feira, onde tenho atividade profissional. Aproveitei para trocar os pneus da  moto, pois já a NC está com 16.000 Km, ainda com os pneus originais, já apresentando um desgaste natural. Acho que ainda duarariam mais uns dois ou três mil quilômetros, mas achei melhor realizar agora. Troquei por um Michelin Pilot Road 2 na Bella Motos, no bairro Camobi, no Km 234 da ERS 287. A loja é especializada em motocicletas, tendo junto uma oficina. Lá existem diversos acessórios para motos e motociclistas. O atendimento é feito pelos proprietários (família Barachini)e por funcionárias extremamente simpáticas e atenciosas. O filho do proprietário é um cara chamado Giancarlo e que entende muito do assunto. Sem falar que é muito atencioso e sempre disposto a ajudar seus clientes. A Bella Motos é uma loja de extrema confiaça e que, sem dúvida, recomendo.
Saí de Santa Maria em torno das 18:45 h de terça-feira, dia 07, pela ERS 287. No caminho parei para um lanche em um local chamado Produtos Coloniais da Terra, a cerca de 48 Km do bairro Camobi, no Km 185 da ERS 287, no município de Agudo. O lugar é muito agradável e com produtos muito bons. Lá se pode comer muito bem e por um preço bem acessível, além de oferecer diversos produtos coloniais à venda. O atendimento é feito por três moças muito simpáticas e atenciosas. É um local que vale à pena parar. Pela ERS 287 rodei por cerca de 216 Km  até a localidade de Tabaí. Esta rodovia tem duas praças de pedágio, os quais são isentos para motos. Mesmo sendo uma estrada pedageada, as condições deixam muito a desejar. Tem vários trechos em mau estado de conservação, com desníveis, sem sinalização no asfalto e consertos muito rudimentares e não terminados. Neste trajeto entre Santa Maria e Tabaí, existem 13 pardais e duas lombadas eletrônicas, o que requer muita atenção com a velocidade. Em Tabaí, segui pela BR 386 por mais 54 Km até a BR 448 (Rodovia do Parque). Na rodovia do Parque são mais 13 Km até a BR 290, entrando em Porto Alegre pela Av. dos Estados, chegando em torno das 22:30 h e indo direto ao bar Cilindradas, um bar temático de motociclismo onde, nas terças-feiras, os companheiros do moto grupo Bodes do Asfalto se reúnem.  Fui até lá para dar um abraço nos irmãos do grupo e conversar um pouco.
Mesmo pilotando à noite, que não é minha preferência, a viagem de volta foi muito tranquila e agradável.

Foram 928,3 Km de estrada, desde sexta-feira, dia 03 até chegar em casa, em Porto Alegre, na noite de terça-feira, dia 07 de abril.


Rota da viagem


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5 comentários:

  1. Já me hospedei na Santa Rita e é muito bonita. Não tive tempo de conhecer as outras, mas pelo seu relato, acho que perdi muito por não ter ido. Já anotei para a próxima ida à Pelotas. Ótimas dicas no seu post!
    Tati

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  2. Que excelente post ! Muito bom conhecer a história da produção do charque e de Pelotas. Parabéns ! Esse Rio Grande do Sul tem muita coisa linda ! Um abraço

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  3. Que bacana conhecer a bela história do Rio Grande, ainda mais viajando, né? Parabéns, muito bom!

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  4. Nossa, anotei várias dicas e lugares pra conhecer!
    Muito bom falar sobre nosso estado! :)
    Parabéns Blog!
    Beijos da Laiza - Blog Janela Azul

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